Stephen Hawking, um caso de uma brilhante, era portador de instigante Doença do Neurônio Motor, um tipo de Amiotrofia Espinhal Progressiva (AEP).
No dia 14 de março passado, 4ª f., pela manhã, morria Stephen Hawking aos 76 anos de idade, na Inglaterra. Apagava-se, assim, uma das mais brilhantes mentes da atualidade, depois uma incrível trajetória de pesquisas e estudos no campo da Física e da Astrofísica. Poderíamos colocá-lo no mesmo nível de Albert Einstein, Galileu Galilei e Isaac Nilton, entre outros grandes cientistas de destaque da Ciência. E não seria surpresa que o Prêmio Nobel deste ano venha consagrar a grande obra deste cientista com uma história de vida sui-generis. Apesar de viver mais de 50 anos com paralisia e amiotrofia dos membros, o que impunha enorme restrição de mobilidade (tetraplégico preso a uma cadeira de rodas), sem poder falar devido a uma severa disartria, decorrentes de uma instigante Doença do Neurônio Motor (DNM), manteve sua "mente brilhante" e produtiva fazendo palestras dando aulas e conferências pelo mundo. Autor de importantes artigos, livros e textos de divulgação científica sobre origem e segredos do Universo, incluindo descrição do fantástico "Buraco Negro", seus livros foram logo best sellers em inúmeros países. No Brasil seus trabalhos sempre foram muito bem recebidos e divulgados. A imprensa mundial tem dado o merecido destaque e homenagem a este singular cientista que foi Stephen Hawking.
Por outro lado, como médico-Neurologista e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, tendo me dedicado ao estudo e pesquisa da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), além de ter atendido milhares de pacientes ao longo de 40 anos, no Setor de DNM/ELA-Instituto de Neurologia Deolindo Couto da UFRJ (INDC/UFRJ), não poderia deixar de considerar aqui alguns aspectos com relação à inusitada enfermidade à guisa de esclarecimentos clínicos e de um maior do rigor nosológico. Ao nosso ver, com bases em evidências clínicas da nossa casuística no INDC, a doença neurodegenerativa que acometia Stephen Hawking pode ter recebido o diagnóstica de ELA logo no início do quadro clínico, em face dos sinais e sintomas bastante sugestivo de ELA, o que seria, então, da maior pertinência. No entanto, com a evolução lenta e protraída de mais de 55 anos, com paralisia e amiotrofia generalizada, incluindo músculos da região bulbar que provocavam severa disartria e disfagia, em muito se assemelhando a Doença de Charcot, suscita dúvidas quanto real diagnóstico quando se toma como referência os casos descritos na literatura médica desde a descrição príncipe de Jean-Martin Charcot na Salpêtriére a partir de 1869. O que difere de forma marcante neste caso são alguns aspectos clínicos da semiologia e da evolução observados nos diversos registros de casuísticas relatadas. Assim, vejamos: 1) início aos 20 ou 21 anos seria altamente excepcional e em desacordo com relatos da literatura que não registram caso dessa idade tão baixas: o caso mais novo em nossa série tinha 29 anos, com média de 50 a 55 anos de idade; 2) a lenta, insidiosa e inusitada evolução de 55 anos também não condiz com as observações registradas na literatura: em nossa casuística temos observações de evolução excepcionais de quase 20 anos (!), e sempre evoluindo com grave quadro de insuficiência respiratória no final, usando suporte respiratório; 3) no caso em pauta, não houve registro da falência respiratória grave como seria observado na ELA clássica (ao contrário, com evolução de 55 anos de sobrevida foi possível desenvolver uma das mais ricas obras científicas como sabemos). Tal eventual caso de ELA com essa evolução seria, portanto, excepcional.
Naquela ocasião, vale lembrar que os médicos deram prognóstico de 2 a 3 anos de sobrevida. Podemos ver esses aspectos bem retratados nos livros e filmes realizados sobre a história de vida desse incrível cientista. Contudo, cabe discutir então, por melhor apuro da clínica neurológica, aprofundando a avaliação clínica e com base nas evidências clínicas, e ainda apoiado em ampla casuística registrada no Setor DNM/ELA - INDC/UFRJ, que funciona desde de 1978 até hoje. Neste sentido, do ponto de vista nosológico, em que pese a relevância do seu quadro clínico inicial levar ao diagnóstico de ELA, a observação de alguns aspectos devem ser considerados no que tange ao diagnóstico diferencial. O início precoce aos 21 anos de idade (muito cedo para ELA), a evolução alongada de 55 anos e o não comprometimento severo do aparelho respiratório (daí ser possível tal evolução de 55 anos!), sugere mais quadro clínico do grupo da DNM, do tipo Amiotrofia Espinhal Progressiva (AEP),do que a clássica ELA. Portanto, ao fazer extenso exame da literatura desde a descrição primeira de Charcot, não encontramos nada semelhante, nem nos excepcionais casos de evolução mais prolongada. Tomando por base o parâmetro clínico visto acima, no grupo das doenças de DNM, tipo AEP, podemos encontrar com frequência casos com evolução tão prolongadas como o caso em pauta. Assim, apoiados com bases nas evidências clínicas (soberanas), podemos entender como tendo sido possível o diagnóstico de ELA logo no início, porém diante dos dados considerados acima, sobretudo a excessivo tempo de evolução, o diagnóstico de ELA, tipo esporádica ou clássica, não caberia neste caso.. Assim, o diagnóstico de AEP parece, ao nosso ver, mais adequado.
Enfim, em face da grande repercussão da morte desse cientista e pelo seu papel na divulgação científica, é oportuno aproveitar esse momento não só para homenagear o grande físico que foi Stephen Hawking, mas aproveitar para chamar a atenção para a intrigante e desafiadora Doença de Charcot. Popularizada e conhecida, embora incomum, a ELA é uma enfermidade que demanda diversos cuidados, além do atendimento integrado por equipe multidisciplinar, objetivando uma assistência de qualidade para os pacientes, e seus familiares, através do Sistema de Saúde, público e/ou privado. Acrescente-se também a procura de investimentos para desenvolvimento de projetos de pesquisa nos âmbitos da clínica, da pequisa básica e dos estudos epidemiológicos, mormente, em países como o Brasil, com graves problemas de Saúde onde doenças como a ELA não encontram centros de saúde preparados para assistência de maior complexidade e qualidade. Cabe ainda pensar na oportunidade de se refletir no resgate do INDC-UFRJ, hoje reformado e pronto para desenvolvimento de projetos avançados de uma Neurologia do século XXI no nível dos grandes centros mundiais.
Prof. José Mauro Braz de Lima, PhD.
(Prof. Associado IV de Neurologia da UFRJ (aposentado), Coordenador do Setor de DNM/ELA do INDC-UFRJ, Membro Emérito da Academia de Brasileira de Neurologia-ABN, Ex-Presidente da ANERJ, Pós-Doutorado no Serviço Serviço de Neurologia da Salpêtriére - Universidade de Paris, autor de diversos trabalhos e artigos sobre DNM/ELA).